O veto de Cavaco<br>a preto e branco
E o que decidiu Cavaco fazer na manhã seguinte às eleições presidenciais?: vetar dois projectos aprovados na Assembleia da República, um revogando as alterações realizadas à lei da interrupção voluntária da gravidez, e outro permitindo a adopção de crianças por casais homossexuais.
Cavaco sabe que o seu veto é pouco mais que simbólico, porque a actual composição da Assembleia da República voltará decerto a repetir a votação e o Presidente será obrigado a promulgar as duas novas leis.
Cavaco, certamente animado pelo resultado negativo das eleições presidenciais, resolveu mostrar para que serve o homem da direita na Presidência da República. Resolveu demonstrar ao vivo o argumento de apelo ao voto em Marcelo que Paulo Portas matraqueou nos últimos meses: se «a esquerda» tem o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República e o presidente da Câmara de Lisboa, não deve ter o Presidente da República, para «equilibrar» as coisas. Traduzindo de pauloportês para português, é preciso que o Presidente da República trave tudo o que for de sentido positivo, tudo o que devolva direitos roubados pelo governo PSD / CDS.
Cavaco sabe que acabará por ter que promulgar estas duas leis. Este veto também quer adiar a resolução de situações de facto, que existem na sociedade portuguesa. Pretende impor a humilhação e o sofrimento psicológico a mais algumas centenas de mulheres que neste período atravessam a decisão de interromper voluntariamente uma gravidez. Pretende adiar o projecto de vida de crianças e das suas famílias porque estas não são do modelo único de família «como deve ser» que o Presidente acha que devia haver.
Cavaco já sabia que ia vetar estas leis. Esperou pelo dia das eleições não fosse esta sua decisão atrapalhar o passeio gastronómico do seu sucessor pela campanha eleitoral. Não fosse algum jornalista mais afoito perguntar a Marcelo o que faria com estas leis, e não fosse a capa cosmopolita independente do candidato cair-lhe com estrondo aos pés. Não fosse alguém descobrir antes de tempo que Marcelo não passa de um Cavaco a cores, na expressão feliz de José Luís Ferreira, deputado do PEV, que Edgar Silva popularizou.