O veto de Cavaco<br>a preto e branco

Margarida Botelho

E o que de­cidiu Ca­vaco fazer na manhã se­guinte às elei­ções pre­si­den­ciais?: vetar dois pro­jectos apro­vados na As­sem­bleia da Re­pú­blica, um re­vo­gando as al­te­ra­ções re­a­li­zadas à lei da in­ter­rupção vo­lun­tária da gra­videz, e outro per­mi­tindo a adopção de cri­anças por ca­sais ho­mos­se­xuais.

Ca­vaco sabe que o seu veto é pouco mais que sim­bó­lico, porque a ac­tual com­po­sição da As­sem­bleia da Re­pú­blica vol­tará de­certo a re­petir a vo­tação e o Pre­si­dente será obri­gado a pro­mulgar as duas novas leis.

Ca­vaco, cer­ta­mente ani­mado pelo re­sul­tado ne­ga­tivo das elei­ções pre­si­den­ciais, re­solveu mos­trar para que serve o homem da di­reita na Pre­si­dência da Re­pú­blica. Re­solveu de­mons­trar ao vivo o ar­gu­mento de apelo ao voto em Mar­celo que Paulo Portas ma­tra­queou nos úl­timos meses: se «a es­querda» tem o pri­meiro-mi­nistro, o pre­si­dente da As­sem­bleia da Re­pú­blica e o pre­si­dente da Câ­mara de Lisboa, não deve ter o Pre­si­dente da Re­pú­blica, para «equi­li­brar» as coisas. Tra­du­zindo de pau­lo­portês para por­tu­guês, é pre­ciso que o Pre­si­dente da Re­pú­blica trave tudo o que for de sen­tido po­si­tivo, tudo o que de­volva di­reitos rou­bados pelo go­verno PSD / CDS.

Ca­vaco sabe que aca­bará por ter que pro­mulgar estas duas leis. Este veto também quer adiar a re­so­lução de si­tu­a­ções de facto, que existem na so­ci­e­dade por­tu­guesa. Pre­tende impor a hu­mi­lhação e o so­fri­mento psi­co­ló­gico a mais al­gumas cen­tenas de mu­lheres que neste pe­ríodo atra­vessam a de­cisão de in­ter­romper vo­lun­ta­ri­a­mente uma gra­videz. Pre­tende adiar o pro­jecto de vida de cri­anças e das suas fa­mí­lias porque estas não são do mo­delo único de fa­mília «como deve ser» que o Pre­si­dente acha que devia haver.

Ca­vaco já sabia que ia vetar estas leis. Es­perou pelo dia das elei­ções não fosse esta sua de­cisão atra­pa­lhar o pas­seio gas­tro­nó­mico do seu su­cessor pela cam­panha elei­toral. Não fosse algum jor­na­lista mais afoito per­guntar a Mar­celo o que faria com estas leis, e não fosse a capa cos­mo­po­lita in­de­pen­dente do can­di­dato cair-lhe com es­trondo aos pés. Não fosse al­guém des­co­brir antes de tempo que Mar­celo não passa de um Ca­vaco a cores, na ex­pressão feliz de José Luís Fer­reira, de­pu­tado do PEV, que Edgar Silva po­pu­la­rizou.




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